De um lado cantava o sol – Cecília Meireles



De um lado cantava o sol,
do outro, suspirava a lua.
No meio, brilhava a tua
face de ouro, girassol!

Ó montanha da saudade
a que por acaso vim:
outrora, foste um jardim,
e és, agora, eternidade!
De longe, recordo a cor
da grande manhã perdida.
Morrem nos mares da vida
todos os rios do amor?


Ai! celebro-te em meu peito,
em meu coração de sal,
Ó flor sobrenatural,
grande girassol perfeito!

Acabou-se-me o jardim!
Só me resta, do passado,
este relógio dourado
que ainda esperava por mim . . .

É preciso não esquecer nada – Cecília Meireles





É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.

(1962)

O mosquito escreve – Cecília Meireles



O Mosquito pernilongo
trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo,
faz um S.

O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
faz um Q,
faz um U e faz um I.
Esse mosquito
esquisito
cruza as patas, faz um T.

E aí, se arredonda e faz outro O,
mais bonito.

Oh!
já não é analfabeto,
esse inseto,
pois sabe escrever o seu nome.

Mas depois vai procurar
alguém que possa picar,
pois escrever cansa,
não é, criança?

E ele está com muita fome.

(Cecília Meireles in “Ou isto ou aquilo”)

Mapa de anatomia: o olho – Cecília Meireles




O Olho é uma espécio de globo,
é um pequeno planeta
com pinturas do lado de fora.
Muitas pinturas:
azuis, verdes, amarelas.
É um globobrilhante:
parece cristal,
é como um aquário com plantas
finamente desenhadas: algas, sargaços,
miniaturas marinhas, areias, rochas, naufrágios e peixes de ouro.

Mas por dentro há outras pinturas,
que não se vêem:
umas são imagens do mundo,
outras são invetadas.

O Olho é um teatro por dentro.
E às vezes, sejam atores, sejam cenas,
às vezes, sejam imagens, sejam ausências,
formam, no Olho, lágrimas.

TRISTEZA DO INFINITO – Cruz e Souza




Tristeza de outros espaços,
de outros céus, de outras esferas,
de outros límpidos abraços,...
de outras castas primaveras.

Dessas tristezas que vagam
com volúpias tão sombrias
que as nossas almas alagam
de estranhas melancolias.

Dessas tristezas sem fundo,
sem origens prolongadas,
sem saudades deste mundo,
sem noites, sem alvoradas.

Que principiam no sonho
e acabam na Realidade,
através do mar tristonho
desta absurda Imensidade.

Certa tristeza indizível,
abstrata, como se fosse
a grande alma do Sensível
magoada, mística, doce.

Ah! tristeza imponderável,
abismo, mistério, aflito,
torturante, formidável...
ah! tristeza do Infinito!

As sem -razões do amor - Carlos Drummond de Andrade



 
 

Eu te amo porque te amo,
...
Não precisas ser amante,

e nem sempre sabes sê-lo.

Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça

e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,

é semeado no vento,

na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários

e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo

bastante ou demais a mim.

Porque amor não se troca,

não se conjuga nem se ama.

Porque amor é amor a nada,

feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,

e da morte vencedor,

por mais que o matem (e matam)

a cada instante de amor.

Ora (direis) ouvir estrelas! - Olavo Bilac




XIII
...
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto ...

E conversamos toda a noite, enquanto

A via láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas."

“Nel mezzo del camin... - Olavo Bilac


Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
...
E triste, e triste e fatigado eu vinha.

Tinhas a alma de sonhos povoada,

E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada

Da vida: longos anos, presa à minha

A tua mão, a vista deslumbrada

Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida

Nem o pranto os teus olhos umedece,

Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,

Vendo o teu vulto que desaparece

Na extrema curva do caminho extremo."

NO MEIO DO CAMINHO – Carlos Drummond de Andrade




No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra...
no meio do caminho tinha uma pedra.


Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

QUADRILHA - Carlos Drummond de Andrade




João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém....
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.

IRENE NO CÉU – Manoel Bandeira



Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor....

Imagino Irene entrando no céu:
Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra , Irene. Você não precisa pedir licença.

O HOMEM E A MORTE – Manoel Bandeira



Romance desentranhado de “ Um retrato da morte” de Fidelino de Figueiredo.
...
O homem já estava deitado
Dentro da noite sem cor.
Ia adormecendo, e nisto
À porta um golpe soou.
Não era pancada forte.
Contudo, ele se assustou,
Pois nela uma qualquer coisa
De pressago adivinhou.
Levantou-se e junto à porta
Quem bate? ele perguntou.
Sou eu, alguém lhe responde.
Eu quem? torna. - A Morte sou.
Um vulto que bem sabia
Pela mente lhe passou:
Esqueleto armado de foice
Que a mãe lhe um dia levou.
Guardou-se de abrir a porta,
Antes ao leito voltou,
E nele os membros gelados
Cobriu, hirto de pavor.
Ver – uma mulher ou anjo?
Figura toda banhada
De suave luz interior.
A luz de quem nesta vida
Tudo viu, tudo perdoou.
Olhar inefável como
De quem ao peito o criou.
Sorriso igual ao da amada
Que amara com mais amor.
Tu és a Morte? pergunta.
E o Anjo torna: - A Morte sou!
Venho trazer-te descanso
Do viver que te humilhou.
Imaginava-te feia,
Pensava em ti com terror...
És mesmo a Morte? ele insiste.
Sim, torna o Anjo, a Morte sou,
Mestra que jamais engana,
A tua amiga melhor.
E o Anjo foi-se aproximando,
A fronte do homem tocou,
Com infinita doçura
As magras mãos lhe compôs.
Depois com o maior carinho
Os dois olhos lhe cerrou...
Era o carinho inefável
De quem ao peito o criou.
Era a doçura da amada
Que amara com mais amor.

7 de dezembro de 1945.

NAMORADOS – Manoel Bandeira

 


O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.
...
A moça olhou de lado e esperou.

Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listada?

A moça se lembrava:
A gente fica olhando...

A meninice brincou de novo nos olhos dela.

O rapaz prosseguiu com muita doçura:

Antônia, você parece uma lagarta listada.

A moça arregalou os olhos, fez exclamações.

O rapaz concluiu:
Antônia, você é engraçada! Você parece louca.

MADRIGAL MELANCÓLICO – Manoel Bandeira

 


O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.

A beleza é um conceito
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
Ave solta no céu matinal da montanha. 
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento, 
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba e que satisfaz.

O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.

O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.

O que adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.

11 de julho de 1920

DESENCANTO - Manoel Bandeira



Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora 
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente, 
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

Eu faço versos como quem morre.

Teresópolis, 1912

Imagem Disponível em - http://www.google.com.br/imgres?q=escrever+tumblr&um=1&hl=pt-BR&biw=1024&bih=649&tbm=isch&tb

Ismália - Alphonsus de Guimaraens

 

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Retrato – Cecília Meireles



Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.


Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.


Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Imagem Disponível em :http://www.fubiz.net/2012/02/17/jacob-sutton/

Vermelho


Para o Retorno do O Lar do Outono, escolho a música Vermelho de Marcelo Camelo 





Ás vezes eu só quero descansar
Desacreditar no espelho
Ver o sol se pôr vermelho
Acho graça

Que isso sempre foi assim
Mas você me chama pro mundo
E me faz sair do fundo de onde eu tô
De novo.

Nada sei dessa tarde
Se você não vem
Sigo o sol na cidade
Pra te procurar

Eu bem sei onde tudo vai parar
Já não tenho medo do mundo
Sou filho da eternidade
Trago nesses pés o vento

Pra te carregar daqui
Mas você sorri desse jeito
E eu que já perdi a hora e o lugar
Aceito.

Nada sei nessa tarde
Se você não vem
Sigo o sol na cidade
A te procurar

Nada de meu nesse lugar
A cidade vai pensar
Que nada aconteceu em vão
Você vai me ligar então mais uma vez